Violência nas escolas: saídas possíveis

VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: SAÍDAS POSSÍVEIS

Ao longo do último ano, a frequência de ataques a escolas cresceu no Brasil. De setembro de 2022 até abril de 2023, pelo menos cinco ataques fatais foram registrados. Nos últimos 12 anos, pelo menos 52 pessoas morreram em atentados em instituições brasileiras. Segundo um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2017, 12,5% dos professores brasileiros disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana – índice mais alto entre os 34 países pesquisados.

Estudos realizados pelo consultor legislativo Sergio Senna buscam compreender a complexidade do problema e apontam para a urgência da ação articulada entre segurança, reestruturação de políticas públicas, garantias de direitos e da transformação cultural de crenças, valores e de emoções.

Como definir violência hoje?

Um ato de expressão de vontades, decisões e emoções

que estabelece assimetria severa entre as pessoas

desrespeita valores fundamentais, regras e normas coletivas

e abre a possibilidade de causar danos individuais e coletivos

O Brasil é violento?

(Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 28 de abril de 2004)

O conceito de violência escolar difere muito entre países e culturas, mas há um consenso de que não abrange só a violência física, como também as chamadas incivilidades – como agressões verbais, falta de respeito, humilhações – e a violência simbólica, com a negação da identidade, falta de prazer nas atividades da escola, indiferença. Pesquisas realizadas no Brasil apontam que, entre os professores:

40%

sofreram ameaças ou tiveram bens danificados
por alunos

62%

foram agredidos verbalmente e xingados

24%

foram roubados ou furtados

57%

consideram as escolas um espaço violento

(Fonte: APEOESP, 2013)

Homem cordial?

Com grande diversidade cultural, racial, social e econômica, o Brasil tem uma complexa dinâmica social. No entanto, existe um mito muito difundido, concentrado no conceito do homem cordial do sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, que desenha o brasileiro como uma figura ambivalente: afável, amigável, impulsivo e pouco comprometido com as normas sociais.

A crença na cordialidade passiva brasileira pode criar expectativas irreais e simplistas, ignorando ou minimizando os efeitos coletivos e individuais da violência, e até encobrindo práticas coletivas que orientam sutis microviolências. É difícil identificar e enfrentar um problema que se opõe a toda uma crença cultural.

Veja esse exemplo:

Imagine um escola bem inserida nessa cultura do mito da cordialidade brasileira.
Em suas atividades, tudo reforça a ideia de que o Brasil tem uma cultura cordial e que somos naturalmente acolhedores e amigáveis.

Agora imagine que um aluno, pertencente a uma família de refugiados, é matriculado nessa escola.
Ele se mostra tímido e com dificuldades para se adaptar à cultura e ao novo ambiente – mas os professores e colegas estão convencidos de que comunidade escolar é acolhedora e que a adaptação será tranquila.

Os professores podem acabar não garantindo o suporte adequado para ajudar esse aluno, pois estão convencidos de que a integração é automática. Os colegas de classe, por sua vez, podem não perceber que o novo aluno está se sentindo isolado e com dificuldades devido às suas diferenças culturais, deixando de fazer um esforço adicional para incluí-lo nas atividades sociais e recreativas.

O mito da cordialidade pode levar à falta de compreensão das necessidades do aluno, que pode acabar excluído. Isso pode levar a problemas emocionais, como ansiedade, isolamento e baixo rendimento escolar.

É essencial olhar os efeitos psicológicos e  comportamentais de concepções pressupostas. As escolas devem promover a inclusão ativa de todos os alunos, independentemente de sua origem cultural ou social, dificuldades de aprendizagem ou qualquer  especificidade – e dar apoio para que se adaptem e prosperem no novo ambiente educacional. A ideia de que somos cordiais não ajuda para identificar problemas e agir a tempo.

Como enfrentar o problema?

São necessárias ações articuladas entre segurança, políticas públicas, garantia de direitos e novas práticas culturais que reorientem crenças, valores e emoções, colocando cada indivíduo no centro de seu processo decisório autônomo e responsável, focando mais em ações de promoção da paz do que em aplicações jurídicas e clínicas

Protagonismo infantojuvenil

A partir de ações de prevenção, equipes de Psicologia Escolar e Educacional identificam e abordam fatores de risco:

Efetiva análise das práticas realizadas em determinado ambiente para a compreensão das crenças, valores e emoções que as orientam

Introdução de novas práticas coletivas orientadas aos valores a serem promovidos

Promoção de mudanças culturais, práticas coletivas e de interação entre os sujeitos que gerem emoções de cooperação entre as pessoas

É preciso estar de olho em incidentes que envolvam:

• Bullying
• Isolamento social
• Preconceitos de todos os tipos
• Falta de habilidades de resolução de conflitos
• Falta de apoio emocional
• Baixa autoestima e fracasso escolar

Como?

• Programas de promoção de habilidades sociais
• Programas que estimulem estratégias de resolução de conflitos
• Projetos que trabalhem empatia e autocontrole
• Ambiente escolar inclusivo, acolhedor e respeitoso, onde todos os atores escolares se sintam seguros e valorizados

Projetos educacionais da Psicologia Escolar e Educacional focam em:

• Práticas de formação e de qualidade para todos
• Valorização do trabalho do professor
• Construção e vivência de relações escolares democráticas
• Enfrentamento dos processos de medicalização, patologização e judicialização da vida de educadores e estudantes
• Promoção de políticas públicas que possibilitem o desenvolvimento de todos e todas, trabalhando na direção da superação dos processos de exclusão, estigmatização social e dos preconceitos na escola

Que iniciativas de segurança são relevantes?

Que iniciativas de segurança são relevantes?

Ainda que, isoladamente, medidas de segurança não sejam capazes de enfrentar a violência ou o preconceito na escola, sem um ambiente livre da criminalidade, da posse de armas brancas e de fogo e da venda de substâncias ilícitas não há como promover políticas públicas e qualidade e nem promover a transformação de crenças e valores

Ainda que, isoladamente, medidas de segurança não sejam capazes de enfrentar a violência ou o preconceito na escola, sem um ambiente livre da criminalidade, da posse de armas brancas e de fogo e da venda de substâncias ilícitas não há como promover políticas públicas e qualidade e nem promover a transformação de crenças e valores

O que pode ser feito?

• Evitar a circulação de armas brancas e de fogo nas escolas
• Evitar a comercialização de substâncias ilícitas na região escolar
• Planejamento para realizar o policiamento ostensivo adequado à região
• Atenção policial escolar especializada
• Oferecer prioridade na interação com o cidadão para o acolhimento de denúncias.

A cultura de paz não é um projeto romântico

Essas iniciativas foram muitas vezes criticadas por parecerem românticas e incapazes de lidar com contextos tão graves. O enfrentamento da violência não se refere, simplesmente, a um tema ligado à segurança pública ou à economia, mas a profundas alterações em nossa cultura, crenças, valores e emoções.

Por sua constituição histórica, a cultura apresenta limites e possibilidades para os indivíduos – mas cada pessoa pode reconstruir esses significados, sendo guiada para desenvolver suas próprias versões pessoais dos valores sociais para além do determinismo social, agindo de acordo com suas próprias emoções e orientada para seus objetivos.

Confira a íntegra dos estudos legislativos sobre o tema da violência nas escolas:

Texto: Carolina Nogueira Arte: Pablo Alejandro – Rafael Teodoro – Agência Câmara de Notícias – 26/06/2023