A Reforma Tributária aprovada pela Câmara

Instituído na década de 1960 e modificado com a Constituição de 1988, o modelo brasileiro de tributação sobre o consumo tornou-se, ao longo do tempo, complexo, disfuncional, ineficiente, desequilibrado e injusto. Pelo menos desde 1995, o Brasil vive sucessivas tentativas de reforma – todas envolvendo um ponto de consenso: o sistema tributário nacional precisa ser simplificado. No dia 7 de julho de 2023, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo à PEC nº 45, de 03 de abril de 2019, a partir de parecer exarado pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB)

Conheça a nota técnica realizada pelos consultores legislativos Fabiano da Silva Nunes, José Evande Carvalho Araujo, Marco Antônio Oliveira e Aurélio Palos que explica o que foi aprovado. Consulte ainda o quadro comparativo do texto constitucional atual com as alterações trazidas pela PEC, explicando o conteúdo de cada artigo.

O QUE A REFORMA MUDA:

Substitui todos os tributos sobre o consumo por um imposto sobre o valor agregado, pago pelo consumidor final, cobrado de forma não cumulativa em todas as etapas da cadeia produtiva

Os cinco tributos atuais sobre o consumo – IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS – são substituídos por dois tributos sobre consumo (IBS e CBS) e por um Imposto Seletivo (IS)

Em ambas as propostas, o IBS e CBS têm como características:

  • São cobrados sobre todas as operações com bens materiais ou imateriais e serviços
  • São cobrados em todas as etapas da cadeia produtiva, dando direito ao crédito do tributo pago anteriormente (não cumulatividade)
  • Não são cobrados nas exportações
  • São cobrados nas importações
  • Adotam o princípio do destino (alíquota e arrecadação vinculadas ao local do consumo)
  • Como regra geral, preveem que União, estados, DF e municípios fixarão, por lei ordinária, sua alíquota própria, que será a mesma para todas as operações com bens ou serviços em cada localidade, ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição. De início, o Senado Federal calculará alíquotas de referência de forma a manter a arrecadação dos entes federados, que será aplicada até que o ente federativo disponha sobre sua alíquota própria.
  • Preveem a manutenção da carga tributária global sobre o consumo;
  • Tornam a tributação sobre consumo menos injusta, pois adotam a possibilidade de devolução do imposto (cashback). Desse modo, a concessão do benefício fiscal é focalizada naqueles que mais precisam, em contraste com a opção por isenções por tipo de mercadoria
  • Preservam o Simples Nacional e o tratamento favorecido à Zona Franca de Manaus
  • Mantêm as vinculações e partilhas constitucionais, como Saúde e Educação
  • Contêm regras de transição, mais curtas para a sociedade em geral (regime de tributação) e mais longas e suaves para a partilha com estados e municípios (sistema de partilha)
  • Há previsão de regimes diferenciados de tributação visando a diminuir o impacto da alteração do modelo:

º Redução de 60% das alíquotas do IBS e da CBS para bens e serviços definidos em lei complementar relacionados a:

  • serviços de educação;
  • serviços de saúde;
  • dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência;
  • medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
  • serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual;
  • produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
  • insumos agropecuários e aquícolas, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal;
  • produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas
  • bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética.

º Lei complementar pode ainda:

  • isentar serviços de serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual;
  • reduzir em 100% as alíquotas da CBS e do IBS incidente sobre dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência, medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, e produtos hortícolas, frutas e ovos;
  • reduzir em 100% a alíquota da CBS incidente sobre serviços de educação de ensino superior (PROUNI), e, até 28/12/2027, sobre serviços beneficiados pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse);
  • isentar ou reduzir em até 100% as alíquotas da CBS e do IBS para atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e de reconversão urbanística.

º É criada a Cesta Básica Nacional de Alimentos, em observância ao direito social à alimentação previsto no art. 6º da Constituição Federal, tributada com alíquota zero da CBS e do IBS, cuja composição será definida por lei complementar.

º O produtor rural pessoa física ou jurídica que fature menos de R$ 3.600.000,00 por ano pode optar por não ser contribuinte de IBS e CBS, mas poderá repassar crédito presumido aos adquirentes de seus produtos;

º É autorizada a concessão de crédito presumido ao contribuinte adquirente de (i) serviços de transportador autônomo pessoa física que não seja contribuinte do imposto, (ii) resíduos e demais materiais destinados a reciclagem, a reutilização ou a logística reversa, de pessoa física, de cooperativa ou de outra forma de organização popular e (iii) bens móveis usados de pessoa física não contribuinte para revenda, desde que esta seja tributada e o crédito seja vinculado ao respectivo bem;

• Devido às particularidades de determinados setores, são previstos regimes específicos de tributação para:

º combustíveis e lubrificantes: incidência monofásica, alíquotas uniformes e possibilidade de concessão de crédito para contribuinte (desde que o combustível não seja destinado à revenda);

º serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos, com:

  • alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo; e/ou
  • tributação com base na receita ou no faturamento;

º compras governamentais:

  • não incidência de IBS e CBS, admitida a manutenção dos créditos relativos às operações anteriores; e/ou
  • destinação integral do produto da arrecadação do IBS e da CBS recolhida ao ente federativo contratante, mediante redução a zero das alíquotas dos demais entes e elevação em idêntico montante da alíquota do ente contratante;

º Sociedades cooperativas:

  • Regime optativo, com vistas a assegurar sua competitividade, observados os princípios da livre concorrência e da isonomia tributária, definindo, inclusive hipóteses em que o IBS e a CBS não incidirão sobre as operações realizadas entre a sociedade cooperativa e seus associados, entre estes e aquela e pelas sociedades cooperativas entre si quando associadas para a consecução dos objetivos sociais; e/ou o regime de aproveitamento do crédito das etapas anteriores;

º Hotelaria, parques temáticos e de diversão, bares e restaurantes e aviação regional:

  • alterações nas alíquotas e nas regras de creditamento.

O Imposto Seletivo será cobrado para desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à Saúde e ao Meio Ambiente, como bebidas alcoólicas, cigarros e poluentes.

POR QUE FAZER A REFORMA TRIBUTÁRIA?

Sistema atual muito complexo

• Tributação sobre consumo com cinco impostos, de três competências diferentes

• A União, os 26 Estados, o Distrito Federal e cada um dos 5.568 municípios têm competência para ter uma legislação diferente sobre tributos

• Essa complexidade torna impossível afirmar o exato montante tributário embutido no preço cobrado do consumidor no final da cadeia

• Insegurança jurídica na definição de operações que geram crédito tributário ao adquirente e no enquadramento de operações como mercadorias ou serviços

• Complexidade afasta investimentos estrangeiros: multinacionais relatam ter escritório tributário em outros países com um a dois funcionários, enquanto no Brasil necessitam de mais de 100 funcionários para lidar com a burocracia

• Arrecadação tributária é dispendiosa, com estruturas administrativas paralelas em três níveis de governo

Guerra fiscal

• Estados concedem benefícios fiscais para atrair investimentos, gerando corrosão da arrecadação, ineficiência nos investimentos e legislação mais complexa

• Para compensar desonerações, Estados acabam onerando mais fortemente produtos consumidos por grande parte da população e em relação aos quais há pouca alternativa de substituição por outros. Assim, combustíveis, telecomunicações e energia elétrica acabam muito tributados, o que gera injustiça tributária e impacta toda a cadeia produtiva

Cumulatividade

• Há tributação cumulativa tanto considerando isoladamente tributos incidentes sobre o consumo, como
PIS/Cofins na modalidade cumulativa e o ISS, quanto na análise da incidência entre eles, pois ISS, ICMS,
Pis/Cofins e IPI não geram crédito entre si e acabam se tornando custo

• Mesmo nos tributos não cumulativos, como o ICMS, o IPI e o PIS/Cofins não cumulativos, a legislação proíbe
o creditamento de diversos tipos de insumos, o que gera cumulatividade

Setor de serviços menos tributado

• Serviços geralmente são menos tributados que mercadorias, pois as alíquotas do ISS são menores que as do ICMS. Isso traz certa injustiça tributária, já que serviços são proporcionalmente mais consumidos por famílias de renda superior

• Muitos municípios pequenos não cobram o ISS, pois não possuem estrutura administrativa suficiente para essa cobrança

• Como a tendência observada nos tribunais brasileiros é que a economia digital seja tributada como serviço, sua expansão acentua a diferenciação existente na tributação de bens e serviços hoje na economia, corroendo a base tributária do consumo

IMPACTOS PREVISTOS

A Reforma tributária possui o potencial de gerar crescimento adicional da economia (PIB) superior a 12% em 15 anos. Hoje, isso representaria R$ 1,2 trilhão a mais no PIB de 2022

Todos os setores da economia seriam beneficiados pela reforma

Redução das desigualdades sociais por meio de uma tributação mais justa, beneficiando parcelas mais  pobres da população

Impostos passam a ser cobrados “por fora”

Uma característica peculiar da tributação brasileira é que a incidência das alíquotas de alguns tributos é feita “por dentro”. A alíquota efetiva (real), que corresponde ao valor que o contribuinte realmente paga, é maior do que seu valor nominal, pois o imposto compõe sua própria base de cálculo . A Reforma pretende dar mais transparência ao consumidor sobre esse valor pago, ao definir que a alíquota será calculada “por fora”, ou seja, o valor da alíquota informada será equivalente ao cobrado do contribuinte. Não haverá imposto “escondido”

Conheça a Nota Técnica atualizada que apresenta uma síntese da Reforma Tributária aprovada pela Câmara em 07/07/2023.

Conheça também o quadro que compara o texto da Reforma Tributária aprovada pela Câmara com o texto atual da Constituição.

Texto: Carolina Nogueira Infográfico: Pablo Alejandro | Rafael Teodoro – Agência Câmara de Notícias – 15/08/2023