As questões indígenas para além das controvérsias

Numa sociedade dividida por questões político-partidárias, onde o diferente muitas vezes é visto como inimigo, a questão indígena é frequentemente associada a disputas polarizadas, que refletem mal a complexidade do tema e são incapazes de gerar resultados práticos efetivos. A nova edição do periódico Agenda Brasileira, realizado pelas Edições Câmara e pela Consultoria Legislativa, traz dez artigos que desdobram a multifacetada questão indígena, colocando em diálogo vozes distintas em diferentes temáticas.

Com organização do consultor legislativo Lucas Azevedo de Carvalho, os artigos situam os debates contemporâneos sobre temas relacionados aos indígenas, em seus aspectos fundiários, socioeconômicos e culturais – tendo sempre como norte a busca de um denominador comum em torno de qual seria possível a convergência, pautada no respeito a todos.

A Constituição de 1988 e o reconhecimento dos direitos indígenas

A Constituição de 1988 rompe um ciclo de preconceito e desrespeito, garantindo aos indígenas o direito fundamental não só à demarcação das terras, mas também ao reconhecimento da sua própria identidade.

O texto interrompe a perspectiva de “integração” e “assimilação cultural” que pautava a legislação até então vigente e inaugura uma política que respeita a interação e os meios de vida específicos de cada comunidade.

É a partir de outubro de 1988 que o indígena, no Brasil, tem o direito de ser indígena.

  • Direito à diferença
  • Não há mais menção ao instituto da tutela, que considerava os indígenas incapazes.

No ano seguinte, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) consolida o mesmo entendimento.
Segundo a Convenção 169 da OIT, os povos indígenas devem ter direito de:

  • Escolher suas próprias prioridades sobre seu desenvolvimento – suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, assim como sobre as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma
  • Controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural
  • Participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente
  • Ver considerada prioritária pelos governos a melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação

Marco temporal

Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Por esse entendimento, centenas de pedidos de novas demarcações de terras indígenas seriam negados, e os indígenas perderiam o direito a terras que, segundo eles, historicamente lhes pertencem. Muitos povos indígenas afirmam que não ocupavam suas terras em 5 de outubro de 88 por terem sido expulsos.

Os defensores do marco temporal argumentam que é preciso fixar um limite no tempo para as demarcações, para dar segurança a milhares de agricultores que ocupam legalmente, há décadas, terras que são reivindicadas por indígenas.

A batalha jurídica em torno do marco temporal

  • Em 2016, o governo de Santa Catarina entrou com recurso no SFT solicitando a reintegração de posse de uma parte da Reserva Biológica do Sassafrás, declarada pela Funai como de tradicional ocupação indígena. O argumento utilizado no recurso foi o marco temporal.

  • Em setembro de 2023, o STF concluiu o julgamento desse recurso, iniciado em 2021, derrubando a tese do marco temporal. Segundo o STF, a data da promulgação da Constituição não pode ser usada como critério de demarcação – e sim a comprovação da ocupação tradicional de determinada área. Conforme a decisão, esse deveria ser o parâmetro para o julgamento de 226 casos semelhantes, que estavam suspensos à espera dessa definição, e de todos os demais pedidos de demarcação que venham a ser feitos.

  • No mês seguinte, a Câmara e o Senado aprovaram projeto de lei que instituía o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Essa regra foi vetada pela Presidência da República, argumentando que a norma “usurpa direitos originários”, além de ferir a decisão do STF. Em seguida, o Congresso Nacional derrubou o veto, incluindo a regra na Lei 1.4701/23.

  • Em abril de 2024, o STF determinou a suspensão, em todo o país, dos processos judiciais que discutem a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023) até que o Tribunal se manifeste definitivamente sobre o tema.

Uso econômico de terras indígenas

Jogos indígenas – um outro paradigma esportivo

Baseadas em tradições ancestrais que perpassam gerações, as práticas esportivas indígenas promovem elementos de expressão cultural que fortalecem laços entre as etnias, reforçando a importância da cooperação e integração entre povos.
Ainda que sem políticas públicas que as fomentem, estas manifestações esportivas ocorrem em escala nacional e internacional, promovendo a interação de povos em jogos marcados pela celebração e interação para além da atividade física e competição.

Conheça algumas modalidades dos jogos indígenas

Corrida de tora

Cabo de força

Rõkrã

Canoagem

Um novo tempo para os indígenas

Não só crescimento populacional

Aumento explicado em parte por mudança metodológica do IBGE

Maior consciência e orgulho

Difusão cultural dos povos tradicionais

Acesso a políticas públicas

736

terras indígenas

237

indígenas eleitos para vereador, prefeito e vice-prefeito em 2020

+ 28% que eleições anteriores

Ailton Krenak

primeiro indígena na Academia Brasileira de Letras (2024)

Desafios não ficaram no passado

Criança indígena:

14x

maior chance de morte por desnutrição e desinteria

16 mortes

de crianças em seis meses em uma única aldeia no Acre

Tragédia Ianomâmi:

363 mortes

em 2023

Não só crescimento populacional

Indígenas e indigenistas: maiores vítimas de conflitos no campo

Conheça a edição Indígenas do periódico Agenda Brasileira, com organização do consultor legislativo Lucas Azevedo de Carvalho

Texto: Carolina Nogueira Arte: Thiago Fagundes – Rafael Teodoro – Agência Câmara de Notícias – 14/05/2024