DOIS DE JULHO:

200 anos da Independência do Brasil na Bahia

“Se o 7 de Setembro de 1822 foi consolidado como o Dia da Independência, marcado pelo ‘Grito do Ipiranga’, o 2 de Julho de 1823 representa, de fato, a consolidação da independência política do Brasil, com a expulsão definitiva das tropas portuguesas da Bahia.”

(Laurentino Gomes, 1822)

O QUE É QUE A BAHIA TEM?

Não se pode contestar a importância do estado da Bahia como terra de riqueza artística e diversidade cultural.
Na canção O que é que a baiana tem?, por exemplo, o compositor Dorival Caymmi conseguiu exaltar e imortalizar a figura icônica da baiana cheia de graça, quitutes e balangandãs. Mas muitos desconhecem a real dimensão da Bahia na construção da unidade nacional.

Afinal, o que é que a Bahia tem? Qual a relevância do estado para a história do Brasil? O que representou, de fato, o Dois de Julho? Ele é apenas um feriado regional?

Ou merece ser mais conhecido como data histórica nacional?
Infelizmente, a história do Brasil reproduzida nos livros didáticos e aprendida nos bancos escolares está repleta de lacunas em relação a determinados fatos, sobretudo aqueles protagonizados por sujeitos anônimos, ligados aos setores subalternos da sociedade. Nossa historiografia oficial primou pelo registro de acontecimentos que enalteciam determinados personagens em detrimento de outros.

Um dos fatos relegados ao esquecimento pela história oficial refere-se às guerras ocorridas durante o processo de independência do Brasil. Nesse sentido, é preciso dar o devido valor à participação da Bahia na luta pela emancipação política do País, cujo ápice se deu com a expulsão definitiva das tropas portuguesas, no dia 2 de julho de 1823. Trata-se de uma das páginas mais marcantes do nosso passado!

A Bahia foi o principal palco das guerras da independência, tendo sido o local onde o conflito durou mais tempo (cerca de um ano e cinco meses) e que mobilizou o maior contingente de pessoas, contando, inclusive, com a participação de segmentos populares. Foi na província baiana que o território brasileiro correu sério risco de fragmentar-se.

Com a resolução do príncipe regente de permanecer no Brasil — desobedecendo às determinações das Cortes de Lisboa — e a tentativa frustrada do general Jorge de Avilez de levá-lo a Portugal, a metrópole portuguesa concentrou em Salvador todos os seus esforços militares.

Havia o interesse por parte de Portugal de dividir o Brasil em duas regiões: o sul e o sudeste permaneceriam sob a direção de Pedro; e o norte, sob o domínio português.
Graças à luta dos baianos, isso não ocorreu.

Com essa atividade cultural, a Câmara dos Deputados pretende contribuir para que a história do País não fique restrita aos circuitos acadêmicos e intelectuais. Afinal, o conhecimento histórico é um instrumento indispensável à construção da cidadania e fortalecimento de nossa identidade cultural. Conhecendo o passado histórico, podemos nos situar no presente como sujeitos e cidadãos comprometidos com a construção de um futuro melhor para todos os brasileiros.

RICARDO ORIÁ
Historiador e Curador

“Independência ou Morte” (também conhecido como “O Grito do Ipiranga”) – Pedro Américo

A INDEPENDÊNCIA

DO BRASIL:

MITOS E FATOS

Nos livros didáticos de história, a reprodução do quadro de Pedro Américo é bastante presente e faz-nos pensar que a Independência do Brasil se deu por um ato isolado do príncipe regente Pedro que bradou  “Independência ou Morte!”, nas margens do Ipiranga, em São Paulo.
A História não é bem essa.

O que de fato ocorreu?

Mito:

A Independência do Brasil concretiza-se com a proclamação de D. Pedro às margens do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822

Fato:

A Independência de nosso país não se  restringe a uma data no calendário. Trata-se de um processo que começa com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, prolonga-se pelo governo joanino — que resultou no fim do pacto colonial — e desdobra-se na regência de D. Pedro — que, com apoio das elites políticas locais, desobedeceu às Cortes de Lisboa, permaneceu no Brasil e rompeu com os laços que nos prendiam à metrópole portuguesa.

Quer saber mais sobre as guerras de independência, a fundação do Parlamento, personagens históricos e o processo de independência do Brasil?

Mito:

A Independência do Brasil concretiza-se com a proclamação de D. Pedro às margens do Ipiranga, em 7 de setembro de 1822

Fato:

A Independência de nosso país não se  restringe a uma data no calendário. Trata-se de um processo que começa com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, prolonga-se pelo governo joanino — que 

resultou no fim do pacto colonial — e desdobra-se na regência de D. Pedro — que, com apoio das elites políticas locais, desobedeceu às Cortes de Lisboa, permaneceu no Brasil e rompeu com os laços que nos prendiam à metrópole portuguesa.

Quer saber mais sobre as guerras de independência, a fundação do Parlamento, personagens históricos e o processo de independência do Brasil?

A BAHIA

NO SÉCULO XIX

Em 1822, a Bahia era a terceira província mais populosa, depois de Minas Gerais e Rio de Janeiro, e considerada o segundo entreposto comercial de toda a América do Sul. Exportava açúcar, algodão, tabaco e outros produtos agrícolas. Sua principal atividade, no entanto, era o tráfico negreiro.

Contava com 765.000 habitantes,
dos quais 524.000 eram escravos.

Contava com 765.000 habitantes, dos quais 524.000 eram escravos.

A GUERRA DE INDEPENDÊNCIA NA BAHIA

“A resistência baiana
decidiu a unidade nacional.”

(Tobias Monteiro, historiador)

A guerra na Bahia teve início em fevereiro de 1822, quando Portugal nomeou o brigadeiro português Inácio Luís Madeira de Melo (1775—1835), militar português que se notabilizou por ser o comandante das forças portuguesas na Bahia durante a guerra de independência contra Portugal, para o cargo de Governador das Armas no lugar de um oficial baiano.  A substituição desencadeou a revolta da população, da Câmara e de muitos dos militares baianos, que foram derrotados durante três dias de lutas.

Foram feitos ataques ao Convento de Nossa Senhora de Conceição da Lapa, em Salvador. Tais ataques culminaram na morte da Sóror Joana Angélica, logo nos primeiros dias. Além de saques, ataques a casas particulares e quebra-quebras se espalharam pela cidade.

Salvador foi tomada e os partidários da independência, soldados e civis, foram obrigados a fugir para as cidades do Recôncavo, mais precisamente na cidade de Cachoeira, onde seria organizada a resistência e planejadas as ações ofensivas contra os portugueses.

Sob desconfiança, Madeira de Melo enviou uma canhoneira subir o rio Paraguaçu desde o dia 9 de junho para espionar o local. Quando sons de festins lançados pela população em comemoração da aclamação foram ouvidos pelo comandante do barco, pensou se tratar de um ataque e ordenou disparos de canhão como resposta. A confusão estava armada.

CACHOEIRA: ONDE TUDO COMEÇOU

Considerada como um dos principais pontos comerciais do Recôncavo Baiano, Cachoeira está inserida entre as mais prósperas e populosas cidades do Brasil. O Rio Paraguaçu faz conexão entre a Baía de Todos os Santos e o interior, além de ser ponto limite para a navegação no rio.

A cidade foi o ponto de resistência baiana durante os primeiros meses de guerra. Em 25 de junho de 1822, a Câmara de Cachoeira reconheceu a autoridade do príncipe regente, D. Pedro. Sua aclamação mostrou que Cachoeira estava inserida no projeto de independência encabeçado pelo Rio de Janeiro. Seguindo esse caminho, outras cidades baianas do Recôncavo passaram a aderir à causa da independência.

No quadro de Antônio Parreiras, destacam-se: Manuel Teixeira de Freitas, então Procurador do Senado na Câmara da Vila de Cachoeira, desfraldando a bandeira da comuna na Câmara Municipal; Rodrigues Falcão e sua tropa, saudando a independência; Antônio Rebouças, advogado que compunha a resistência em Cachoeira; e Manoel Soledade, um homem negro tambor-mor, representando o primeiro sangue cachoeirano derramado.

BLOQUEIO

POR TERRA

Primeira Fase

Inicia-se com os conflitos ocorridos em Cachoeira entre portugueses e baianos. Sob o comando do latifundiário e tenente-coronel Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque D’Ávila Pereira, formou-se um exército amador de pouco mais de 500 homens, chegando a reunir, no máximo, 1.500 soldados. As tropas portuguesas somavam mais de 3.000 homens. Os confrontos eram localizados e não envolviam grandes contingentes. Era guerra de guerrilha, que buscava ocupar posições estratégicas na região.

Segunda Fase

Guerra nacional

Em 28 de outubro de 1822, chega à Bahia o general Pierre Labatut, enviado do Rio de Janeiro com o Exército Pacificador para comandar as tropas baianas. Passando por Pernambuco, Alagoas e Sergipe, reuniu reforços de homens, armamentos e provisões.

Guerra nacional

Em 28 de outubro de 1822, chega à Bahia o general Pierre Labatut, enviado do Rio de Janeiro com o Exército Pacificador para comandar as tropas baianas. Passando por Pernambuco, Alagoas e Sergipe, reuniu reforços de homens, armamentos e provisões.

JOAQUIM PIRES DE CARVALHO E  ALBUQUERQUE D’ÁVILA PEREIRA (1788—1848)

Herdeiro do Morgado dos Garcia D’Ávila, proprietários da famosa Casa da Torre, que teve um papel de destaque como foco de resistência dos brasileiros. Como coronel do Regimento de Milícias e Marinha da Torre, foi responsável pela organização das primeiras tropas do que seria o Exército Brasileiro.

As artimanhas da guerra: 
O CORNETEIRO DE PIRAJÁ

Sofrendo uma forte investida portuguesa, José de Barros, major pernambucano, mandou tocar a retirada, mas o corneteiro Luís Lopes toca “avançar cavalaria à degola”.
O toque amedrontou os portugueses, que fugiram. Os brasileiros venceram a Batalha de Pirajá.

8 de novembro de 1822

A Batalha de Pirajá constituiu um importante combate que  envolveu de 2.500 a 4.000 pessoas e resultou na morte de 80. Após a vitória da Batalha de Pirajá, muitos voluntários foram  arregimentados às forças  brasileiras.

GENERAL PIERRE
LABATUT (1776—1849)

Militar francês que trabalhou em algumas operações pela Europa, Colômbia, Antilhas e Guiana Francesa como “mercenário” antes de chegar ao Brasil. No Brasil, foi nomeado brigadeiro por D. Pedro I por falta de oficiais brasileiros para compor o recém-formado Exército brasileiro. Organizou o Exército Pacificador na guerra da independência na Bahia

JOAQUIM PIRES DE CARVALHO E  ALBUQUERQUE D’ÁVILA PEREIRA (1788—1848)

Herdeiro do Morgado dos Garcia D’Ávila, proprietários da famosa Casa da Torre, que teve um papel de destaque como foco de resistência dos brasileiros. Como coronel do Regimento de Milícias e Marinha da Torre, foi responsável pela organização das primeiras tropas do que seria o Exército Brasileiro.

As artimanhas da guerra: 
O CORNETEIRO DE PIRAJÁ

Sofrendo uma forte investida portuguesa, José de Barros, major pernambucano, mandou tocar a retirada, mas o corneteiro Luís Lopes toca “avançar cavalaria à degola”.
O toque amedrontou os portugueses, que fugiram. Os brasileiros venceram a Batalha de Pirajá.

GENERAL PIERRE
LABATUT (1776—1849)

Militar francês que trabalhou em algumas operações pela Europa, Colômbia, Antilhas e Guiana Francesa como “mercenário” antes de chegar ao Brasil. No Brasil, foi nomeado brigadeiro por D. Pedro I por falta de oficiais brasileiros para compor o recém-formado Exército brasileiro. Organizou o Exército Pacificador na guerra da independência na Bahia

8 de novembro de 1822

A Batalha de Pirajá constituiu um importante combate que envolveu de 2.500 a 4.000 pessoas e resultou na morte de 80. Após a vitória da Batalha de Pirajá, muitos voluntários foram arregimentados às forças brasileiras.

BLOQUEIO POR MAR

Terceira Fase

Comando de Lima e Silva

Em substituição a Labatut, o Coronel Joaquim José de Lima e Silva assumiu o comando em 27 de maio de 1823. A entrada do Exército Pacificador em Salvador marca o fim da guerra. Essa fase contou com a participação de Thomas Cochrane à frente da esquadra brasileira.

S. Salvador. Baya de Todos os Sanctos, de Hessel Gerritz e Claes Janszoon Visscher

S. Salvador. Baya de Todos os Sanctos, de Hessel Gerritz e Claes Janszoon Visscher

Outros personagens também se destacaram na liderança das frentes de batalha, como: José Antônio da Silva Castro (1792-1844), conhecido como o “Periquitão”. O avô do poeta Castro Alves criou e organizou o Batalhão dos Periquitos, grupo formado por voluntários favoráveis à causa brasileira que se concentrou na defesa de Itapuã.

Outra liderança importante foi João Francisco de Oliveira, o “João das Botas”. Português nato, mas adepto das causas brasileiras, João das Botas foi importante personagem nas lutas contra os portugueses, em especial na ilha de Itaparica. Organizou e comandou uma pequena flotilha armada contra a esquadra portuguesa nos combates de janeiro de 1823, sendo extremamente importante na defesa naval brasileira.

CORONEL JOAQUIM LIMA E SILVA  (1788—1855)

Comandante do Batalhão do Imperador, formado por quase 800 homens escolhidos pelo próprio imperador — um corpo de elite que chega à Bahia em 22 de fevereiro. Antes de assumir o comando-geral do Exército em 27 de maio, o coronel comandou a brigada central das tropas brasileiras.

COCHRANE: HERÓI OU VILÃO?

Thomas Alexander Cochrane (1775—1860) era um almirante escocês, tendo se destacado nas guerras napoleônicas. Foi eleito deputado ao Parlamento britânico, mas como se envolveu em um escândalo na bolsa de valores, foi presoe fugiu da cadeia. Considerado um brilhante oficial, foi contratado como mercenário nas lutas de independência do Chile, Peru e Brasil.

No Brasil, em especial, como não havia marinha organizada, Cochrane foi contratado pelo governo, e sua participação foi fundamental para a expulsão definitiva dos portugueses do território brasileiro. No Maranhão, saqueou sem pudores a cidade de São Luís e roubou um navio brasileiro, porque julgava que merecia mais dinheiro do que D. Pedro havia lhe prometido. Assim, Cochrane é considerado, simultaneamente, herói e vilão da independência.

Charge de Cochrane e sua natureza dual (Cochrane in disgrace in 1814)

“Exmº. Senhor, tenho a satisfação de participar a V. Exª. que a esquadra inimiga evacuou hoje a Bahia, não lhe sendo mais possível valer-se de seus recursos por mar. Os seus navios de guerra, consistindo em treze velas de vários lotes e muitas embarcações mercantes grandes cheias de tropas, estão saindo agora da Bahia.
É minha intenção persegui-los enquanto pareça útil fazê-lo.”

(Carta de Cochrane enviada
ao imperador D. Pedro I)

FIM DA GUERRA

Em 28 de maio de 1823, Lima e Silva, à frente do Exército Pacificador, conclama os portugueses a se renderem imediatamente, depondo suas armas em troca de terras para cultivo na Bahia ou embarcando para Lisboa. No dia 3 de junho, ocorreu novo ataque contra as trincheiras da cidade de Salvador ocupadas por Madeira, dificultando ainda mais a sobrevivência das tropas que não contavam com mais suprimentos. Cochrane ataca a esquadra portuguesa no dia 13 de junho. Salvador estava completamente sitiada e bloqueada, por terra e por mar.

Em carta endereçada ao rei D. João VI, Madeira de Melo mostra que a situação estava insuportável: “As nossas privações vão crescendo porque não entra para a cidade gênero algum de primeira necessidade”. (Luis Henrique Dias Tavares, A Independência do Brasil na Bahia, p. 224)

Na manhã do dia 2 de julho de 1823, após a retirada da frota portuguesa comandada pelo brigadeiro Madeira de Melo, os baianos, capitaneados por Lima e Silva, entram na cidade de Salvador. A partir de então, essa data passa a ser incorporada ao calendário cívico da Bahia.

Entrada do Exército Pacificador – Presciliano Silva, 1929-1930

A participação popular

O quadro Entrada do Exército Pacificador em Salvador, de Presciliano Silva, elucida a participação popular na Guerra de Independência da Bahia. A imagem mostra os soldados com as fardas rotas, os pés descalços e as feições de fome. Na verdade, sabemos que, nas tropas regulares, já se incluíam pessoas das camadas populares: negros, mulatos, vaqueiros, índios e quilombolas.

Das tropas brasileiras, fizeram parte os escravos, por exigência do Gal. Pierre Labatut, como uma forma de aumentar o contingente — medida que desagradou os proprietários de terra pelos prejuízos econômicos que tiveram e pelo receio de que, após a guerra, os cativos fossem libertos.

OS NÚMEROS DA GUERRA

A Guerra de Independência da Bahia custou muito à população do Recôncavo Baiano, atingindo muitas cidades e tirando a vida de milhares de soldados, tanto baianos quanto portugueses. Ela envolveu homens da elite da Bahia envolvidos na resistência, escravizados, indígenas e caboclos. Ao contabilizar os números, o cenário mostra que, apesar de muitas baixas brasileiras, o número final de combatentes foi mais positivo que o dos portugueses.

1

Tempo de duração

1 ano e 5 meses (fevereiro de 1822 a julho de 1823)

2

Número de combatentes

No auge da guerra, em maio de 1823, 12.000 a 14.000 homens do lado brasileiro; 10.000 a 12.000 homens do lado português.

No dia 2 de julho, o Exército  Brasileiro somava 10.139 homens em armas, e o  Português tinha 4.520  homens.

3

Número de mortos

Não há estatísticas precisas sobre o número de mortos. Calculam-se 750 mortos e 280 feridos do lado brasileiro; 2.500 mortos, 700 feridos e 300 capturados do lado português.

Segundo os historiadores,
houve mais mortes por doença e fome do que por bala.

4

Cidades baianas envolvidas no conflito

Salvador, Cachoeira, Brotas, Graça, Cabula, Engenho da Conceição, Itapuã, Cabrito, Maragogipe, Santo Amaro, São Francisco, Itaparica, Funil, São Roque, Encarnação, Capanema, Saubara, Ponta de Nossa Senhora, Itapicuru, Água Fria, Jacobina, Marau, Inhambupe, Pedra Branca, Abrantes, Valença, Camamu, Santarém, Cairu.

O PROTAGONISMO FEMININO NA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

A historiografia oficial aborda a independência do Brasil como um movimento essencialmente masculino. É dado destaque às figuras de D. Pedro I, José Bonifácio, Gonçalves Ledo e José Clemente Pereira, entre outros. Hoje, no entanto, considera-se que diversas mulheres contribuíram para o processo de nossa emancipação política. 

Desde os primeiros meses das lutas de independência, foi decisiva a participação de mulheres, entre as quais se destacaram: Sóror Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Felipa. Maria Graham, escritora inglesa, registrou em seu diário de viagem impressões importantes desse momento histórico e Urânia Vanério, aos 10 anos, soube muito bem registrar o conflito entre brasileiros e portugueses, no panfleto Lamentos de uma baiana. Além dessas personagens, outra mulher de grande importância para o contexto foi a Princesa

Leopoldina, que assumiu a regência durante a viagem de D. Pedro a São Paulo e foi responsável por convocar a sessão extraordinária de 2 de setembro de 1822, que decidiu a separação definitiva de Brasil e Portugal.

Em 2018, por iniciativa do Congresso Nacional, ocorreu o reconhecimento da participação baiana na luta pela independência do Brasil. Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Felipa, além de João Francisco de Oliveira Botas, tiveram seus respectivos nomes inscritos no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas, que se encontra depositado no Panteão da Pátria, em Brasília (Lei nº 13.697, de 2018). Além disso, o Senado Federal instituiu a Medalha Maria Quitéria para homenagear mulheres que se destacaram na luta pela equidade de gênero.

MULHERES DO DOIS DE JULHO

No século XIX, o lugar imposto às mulheres na estrutura da sociedade era o caseiro, no cuidado da casa e dos filhos. Em geral, suas atividades se  limitavam a cozinhar, costurar e limpar. Apenas aos homens era permitido exercer atividades na política e nos combates. Mesmo assim, muitas mulheres corajosas empunharam espadas, prepararam discursos e panfletos e se lançaram contra o pensamento hegemônico para abrir portas e conquistar vitórias, seja na luta armada seja nos discursos.

O tema da participação das mulheres no processo da independência foi objeto de pesquisa na obra Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá (Editora Bazar do Tempo, 2022), escrito em coautoria por um grupo de pesquisadoras e historiadoras. São elas: Heloisa Starling e Antonia Pellegrino, organizadoras do livro, Patrícia Valim, Cidinha da Silva, Marcela Telles, Virgínia Siqueira Starling e Socorro Acioli.

Sobre o tema, confira a entrevista que a coautora Patrícia Valim concedeu ao programa Encontro com o Autor da Câmara dos Deputados

MARIA

LEOPOLDINA

A matriarca da Independência

Pertencente a uma das famílias reais mais importantes da Europa, Maria Leopoldina Josepha Carolina de Habsburgo (1797—1826) teve educação esmerada e, aos 20 anos, casou-se com o futuro imperador D. Pedro I, com quem teve 7 filhos. Trouxe consigo da Áustria importantes missões artísticas e científicas, que contribuíram para o estudo da biodiversidade brasileira

Sua personalidade obstinada e atitudes firmes representavam bem as características de uma mulher austríaca. Tinha uma compreensãointegral do papel que lhe cabia como princesa da dinastia Habsburgo e como esposa de Pedro. Durante sua vida, viu que seriam necessários alguns sacrifícios para que seu dever fosse cumprido

Obstinada e audaz

Casada e grávida de seu segundo filho, Leopoldina se viu numa situação que a colocaria como garantia ao trono. Dom João VI escolheu Pedro para retornar sozinho e representar a família, enquanto sua esposa ficaria no Brasil com os herdeiros. Percebendo a situação armada, opôs-se ao plano de D. João VI, conseguindo, por sua obstinação e influência da família Habsburgo, ficar ao lado do marido no Brasil. Infelizmente, entendeu que seu casamento era algo mais político do que romântico, pois Pedro muitas vezes era infiel e violento, o que lhe causou muita tristeza.

“Dona Leopoldina […] jamais poderia ser como Maria Quitéria, vestida com farda masculina para lutar no front; como Maria Felipa, entrando no mar munida de ramos de cansanção e facas escondidas sob as saias para surrar soldados portugueses. […] Seu lugar era outro, e permitia que Leopoldina enxergasse o estado do Brasil e das relações com Portugal sob o ângulo da sua compreensiva educação histórica e política.”

(Virgínia Siqueira Starling, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 160)

“Uma constituição daria a Pedro e Leopoldina a oportunidade de salvaguardar a autoridade monárquica e garantir a fundação de uma Coroa brasileira sem a interferência dos revolucionários portugueses.”

(Virgínia Siqueira Starling, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 165)

Sessão do Conselho de Estado (1922), de Georgina de Albuquerque

De princesa a imperatriz

Como havia grande disputa pelo poder brasileiro, Leopoldina percebeu quev a situação iria piorar, sobretudo para a família real. Para ela, as tentativas de reformas propostas pelas Cortes eram muito liberais, uma ameaça à estabilidade da monarquia. A oposição aos portugueses aumentava e Pedro, segundo Leopoldina, “não era firme perante o cenário”.

Pedro queria aguardar a eleição da junta governativa do Rio de Janeiro e, depois disso, viajariam para Portugal. Assim, Leopoldina começou a repensar a política, pois, ao temer que não voltariam de Portugal, sentiu que deveria seguir com seu dever “sagrado”: a manutenção da monarquia no Brasil, mas agora perante uma constituição.

Sessão do Conselho de Estado (1922), de Georgina de Albuquerque

Leopoldina foi, de fato, a primeira mulher a dirigir o Brasil por quase um mês, como princesa regente, quando da viagem de Pedro a São Paulo. Com as ameaças de Portugal para que o casal real retornasse a Lisboa, ela convocou sessão extraordinária do Conselho de Estado no dia 2 de setembro de 1822 e decidiu, junto aos ministros, pela separação definitiva entre Brasil e Portugal. Enviou o mensageiro Paulo Bregaro com uma carta a Pedro, reforçando sua posição pela independência do Brasil.

MARIA

GRAHAM

A cronista inglesa

A escritora inglesa Maria Graham (1785—1842) foi casada com o capitão Thomas Graham, comandante da fragata Doris, com quem fez sua primeira viagem ao Brasil em 1821, quando se dirigia ao Chile. Ficou viúva e voltou ao Brasil, onde presenciou importantes momentos que levaram à Independência do País. Foi amiga de Thomas Cochrane, que lhe escreveu dando notícias sobre o fim da guerra de independência na Bahia.

Permaneceu no Brasil até 1825, retornando definitivamente a Londres, onde se casou com Augustus Earle Calcott e passou a assinar suas obras literárias como Lady Calcott.

De criança geniosa a aventureira intrépida, Maria Graham viveu uma vida cheia de aventuras e histórias. Seu pai foi um oficial da Marinha Britânica e sempre tinham que se mudar. Sofreu muita desaprovação social por gostar de estudar, atividade vista como masculina, contrária ao cuidado do lar, reservado às mulheres naquela época.

Após sua primeira viagem de estudos, como acompanhante do pai à Índia, em 1809, culminando em seu primeiro diário, Maria começava a criar os hábitos que transformariam sua escrita. Passava o tempo lendo, estudava línguas e conversava com todos, ensinava os marujos e sempre fazia desenhos dos lugares que via. Conheceu o capitão Thomas Graham quando seu navio passava pela Colônia do Cabo, na África.

Retrato de Maria Graham, de Sir Thomas Lawrence

“Minha cara senhora, tive pena em saber de sua doença, mas é preciso ficar boa, já que lhe comunico que expulsamos o inimigo da Bahia. As fortalezas foram abandonadas esta manhã e os navios de guerra, em número de 13, com cerca de 32 barcos de  transporte e navios mercantes, estão em caminho. Acompanhá-los-emos (isto é, a Maria da Glória e a Pedro Primeiro) até o fim do mundo. Repito, espere novas notícias. Creia-me sempre seu amigo sincero e respeitoso.

Cochrane. 02 de julho de 1823, a oito milhas ao norte da Bahia.”

Vida no Brasil

Em sua segunda visita ao Brasil, Maria Graham, agora viúva, desembarcou juntamente de Lorde Cochrane, convidado para comandar as esquadras marinhas contra os portugueses. Ela escreveu sobre os acontecimentos da guerra, observando e mantendo contato próximo com lideranças e a família real. Ambos desenvolveram uma boa amizade devido às trocas de experiências vividas no mar, e que foi fundamental para sua boa estadia no País.

“Uma mulher um tanto ousada, que contrariava radicalmente o conceito que a sociedade tinha do comportamento correto de uma mulher casada, uma mulher de família. Além de trabalhar e estudar muito, ela mesma admite que não era uma boa dona de casa, e nunca foi muito afeita aos ditos ‘serviços do lar’. Tinha uma vida social movimentada e adorava estar na companhia de intelectuais.”

(Isadora Eckardt Silva, A literatura de viagem de Maria Graham, p. 30)

Outra grande amizade que fez no Brasil foi com a própria Maria Leopoldina, apresentada por intermédio de José Bonifácio. Maria Graham admirava tanto a imperatriz que, após a finalização de seu diário, tornou-se a preceptora (professora) da filha de Leopoldina, princesa Maria da Glória.

Graham escreveu sobre as guerras de independência e destacou muitos personagens e momentos importantes do período, como por exemplo Maria Quitéria de Jesus, dizendo que “o espírito patriótico não se havia confinado aos homens”, ressaltando ser uma personagem feminina. (Maria Graham, Diário de uma viagem ao Brasil, p. 240)

O livro retrata as viagens da autora ao Brasil, onde descreve o País, os habitantes e seus costumes, enfocando principalmente as províncias de Pernambuco, Rio de Janeiro e Bahia. É considerado um dos maisimportantes relatos sobre a época da independência, uma vez que ela conviveu com D. Pedro I e Leopoldina, tendo sido preceptora da filha do casal, D. Maria da Glória.

Outra grande amizade que fez no Brasil foi com a própria Maria Leopoldina, apresentada por intermédio de José Bonifácio. Maria Graham admirava tanto a imperatriz que, após a finalização de seu diário, tornou-se a preceptora (professora) da filha de Leopoldina, princesa Maria da Glória.

O livro retrata as viagens da autora ao Brasil, onde descreve o País, os habitantes e seus costumes, enfocando principalmente as províncias de Pernambuco, Rio de  Janeiro e Bahia. É considerado um dos maisimportantes relatos sobre a época da independência, uma vez que ela conviveu com D. Pedro I e Leopoldina, tendo sido preceptora da filha do casal, D. Maria da Glória.

Graham escreveu sobre as guerras de independência e destacou muitos personagens e momentos importantes do período, como por exemplo Maria Quitéria
de Jesus, dizendo que “o espírito patriótico não se havia confinado aos homens”, ressaltando ser uma personagem feminina. (Maria Graham, Diário de uma viagem ao Brasil, p. 240)

JOANA

ANGÉLICA

A mártir da Independência

Nascida em Salvador, Joana Angélica (1761—1822) pertencia a uma família abastada da Bahia. Ingressou no convento da Lapa aos 20 anos, fazendo profissão de fé em 1783 como irmã da Ordem das Religiosas Reformadas de Nossa Senhora da Conceição e adotando o nome de Joana Angélica de Jesus. Progrediu na carreira religiosa a ponto de, 20 anos depois, tornar-se abadessa do convento.

“Esta passagem está guardada pelo meu peito e não passareis senão por cima do cadáver de uma mulher.”




Essa é a frase atribuída à freira Joana Angélica ao impedir a entrada de militares portugueses no Convento da Lapa para a suposta busca de soldados baianos. Com esse ato de bravura, a religiosa tornou-se um símbolo da resistência contra o autoritarismo português. É  considerada a primeira heroína da  independência do Brasil.

Iniciação à vida monástica

O Convento da Lapa foi fundado em 1744, na Bahia, em Salvador, para receber mulheres jovens, casadas ou solteiras que tinham “desvio de conduta” e/ou como punição do marido, bem quando estes estavam em viagens, e estas moças seriam chamadas de Concepcionistas.

A entrada de Joana se deu mediante uma licença que o frei Dom Antônio Corrêa assinou para que se concedesse uma exceção da regra estabelecida em 1764 pelo frei Dom Manuel de Santa Inês, que proibia a recepção de noviças no Convento. Joana foi liberada e recebida, passando a se chamar Sóror Joana Angélica de Jesus

Martírio de Joana Angélica – Artista desconhecido

“Joana Angélica seguiu as regras de Benedito IX, condições precisas da santidade: a prudência, a força ou a grandeza d’alma, unidas à temperança e à justiça.”

(Antônia da Silva Santos, A historicidade e espiritualidade concepcionista de Beatriz da Silva e Menezes e Joana Angélica de Jesus, p. 1946)

Ataque ao Convento

Em fevereiro, tropas de Madeira de Melo atacaram civis e invadiram casas particulares. Nessa empreitada, um grupo de soldados invadiu o Convento da Lapa, onde supostamente estariam procurando inimigos. No intuito de proteger a clausura das sorores, Joana Angélica, já abadessa do Convento, prostrou-se à frente da porta para impedir a passagem da tropa armada. Como consequência, golpes de baioneta a acertaram, causando sua morte.

A Sóror Joana Angélica de Jesus foi então considerada a primeira heroína da Independência. Seu ato de coragem e persistência serviu como inspiração a outras mulheres, como Maria Felipa de Oliveira, que viram no exemplo a resistência e a coragem para lutar.

URÂNIA

VANÉRIO

A menina que registrou a guerra

Nascida em Salvador, Urânia Vanério (1811—1849) era filha única de um casal de portugueses, Euzébio Vanério e Samoa Angélica Vanério. Aos 10 anos, foi responsável pela escrita e publicação do panfleto Lamentos de uma baiana, que retratava sua visão de angústia em meio às guerras que se desenrolavam na Bahia, sendo reconhecida como uma das grandes mulheres da independência.

“[…] uma das mais potentes críticas contra os arbítrios do absolutismo português na Bahia, da exploração colonial e da violência das tropas imperiais contra a população de Salvador.”

(Patrícia Valim, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 99)

Infância entre livros

Urânia nasceu num ambiente de cultura e erudição, em meio a livros e instrumentos musicais. Recebeu uma boa educação de seus pais, que tinham uma escola na cidade onde moravam. Foi incentivada desde cedo a pensar e debater os temas políticos e sociais de seu tempo. Diante da violência e horror das lutas entre portugueses e baianos, começou a temer os rumos do País.

“Em uma casa onde se respirava educação dia e noite, não é de se admirar que essa menina de dez anos tenha se encorajado a participar de maneira tão contundente do intenso e acalorado debate político sobre a Independência do Brasil, vocalizando suas demandas pessoais e coletivas na esfera pública.”

(Patrícia Valim, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 91)

Em meio a violentos conflitos provocados pelas tropas de Madeira de Melo, Urânia, indignada com a morte da Sóror Joana Angélica em fevereiro de 1822, chegou a escrever: “[…] Justos Céus, ver baionetada / A uma idosa Regente […] Justos Céus, quando os Conventos / Foram assim insultados / Quanto mais não  sofreriam / Os Cidadãos sossegados?”. (Patrícia Valim, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 92)

Urânia era uma dura crítica da monarquia portuguesa. Seus pais lutavam diariamente pelo  “reconhecimento social e econômico em uma sociedade altamente hierarquizada pelo escravismo”. (Patrícia Valim, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 92)

Luta pelas palavras

Após a publicação do panfleto, foram para Cachoeira em 1823, pois seu pai integrou o Conselho Interino do Governo como secretário do General Labatut. Após seu pai ser preso por divergências políticas em Sergipe, Urânia e sua mãe voltaram a Salvador. No ano seguinte retomaram as aulas na escola da família e seu pai foi liberto.

Em 21 de abril de 1825 tomou uma atitude pouco comum a uma menina daquela época. Solicitou ao Imperador uma licença para abrir uma nova escola de ensino mútuo na Bahia, ou seja, para homens e mulheres. O pedido foi aceito e a família seguiu com o trabalho na escola, onde Urânia dedicou-se à literatura, produzindo novelas e traduzindo obras estrangeiras.

Casou-se e por 22 anos viveu feliz com sua família, falecendo aos 38 anos, por complicações no parto. Deixou um grande legado aos filhos e a outras mulheres, que foram inspiradas por sua vida e seu trabalho.

Justos Céus, onde o Direito Pessoal, de propriedade Se entre nós impera A vil arbitrariedade […]
Justos Céus, onde o Direito De quem sem culpa formada Não seria as vis prisões Triste vítima arrastada?”

(Versos de Urânia Vanério, em seu panfleto Lamentos de uma baiana, 1822)

MARIA

QUITÉRIA

DE JESUS

A mulher soldado

Nascida em São José das Itapororocas, Maria Quitéria de Jesus (1792—1853) foi irmã de mais dois filhos de Gonçalo Alves de Almeida e Quitéria Maria de Jesus. É conhecida por ter vestido roupas de homem para lutar na Guerra de Independência e foi responsável por lutar na frente de batalha contra soldados portugueses e sair vitoriosa, sendo reconhecida pelos seus feitos na guerra. Desde cedo, Maria Quitéria tomou o lugar de cuidado da casa e dos irmãos, além de aprender a manejar armas de fogo para caçar, atividade que mais gostava de fazer. Aos 30 anos, Quitéria não era casada e nem estava preocupada com isso.

Descrição de Maria  Graham sobre Maria Quitéria

“Ela é iletrada, mas inteligente.
Sua compreensão é rápida e sua percepção aguda. Penso que, com educação, ela poderia ser uma pessoa notável. Não é  particularmente masculina na aparência; seus modos são delicados e alegres. Não contraiu nada de rude ou vulgar na vida do campo e creio que nenhuma imputação se consubstanciou contra sua modéstia. Uma coisa é certa: seu sexo nunca foi sabido até que seu pai requereu a seu oficial comandante que a procurasse. Não há nada de muito peculiar em suas maneiras à mesa, exceto que ela come farinha com ovos ao almoço e peixe ao jantar e fuma charuto após cada refeição, mas é muito sóbria.” 

(Maria Graham. Diário de uma Viagem ao Brasil, p. 331)

“Maria Teresa foi categórica: ora essa, para tanto não era necessário ser homem. Abriu o armário e emprestou algumas roupas do marido a Maria Quitéria, que logo partiria para onde as coisas estavam de fato acontecendo.”

(Marcela Telles, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 131)

Desejo de independência

Diante da resistência do pai em aceitar que se alistasse como militar na guerra de independência da Bahia, Maria Quitéria disse:

“’É verdade que não tendes filho, meu pai. Mas lembrai-vos que manejo as armas e que a caça não é mais nobre que a defesa da pátria. O coração me abrasa. Deixai-me ir disfarçada para tão justa guerra.’

Respondeu-lhe o pai: ‘Mulheres fiam, tecem e bordam; não vão à guerra’.”

A mudança para a batalha

Em meio aos acontecimentos em Cachoeira, com o acirramento entre portugueses e baianos, em setembro de 1822, um emissário tocou a porta do pai de Maria Quitéria para falar sobre a causa da Independência e recrutar homens para a batalha. O pai recusou o envio de escravos ou de algum filho, dizendo que serviria o vencedor da guerra.

Após ouvir a conversa, Quitéria correu para a casa de sua irmã Maria Teresa, que morava próximo dali com seu marido José Cordeiro de Medeiros. Quitéria contou a conversa e expressou sua vontade de “ser um homem” para lutar naquele momento.

Aproveitando-se da saída de seu pai para Cachoeira, foi escondida junto, em uma distância segura para não ser descoberta. Lá ingressou no Batalhão dos Periquitos como homem e obteve grande destaque, ganhando posições pelo seus feitos. Em 1823, já evidente que se tratava de uma mulher, o Conselho Interino do Governo mandou que lhe fizessem saiotes e lhe entregassem uma espada, para que se tornasse de fato um soldado.

Maria Quitéria obteve vitórias fundamentais durante as batalhas e, por isso, ao final da guerra foi condecorada com a Ordem do Cruzeiro do Sul, como cavaleiro, além de um salário até o fim de sua vida. Foi ao Rio de Janeiro integrada à Corte, onde se dedicou muito tempo até retornar para casa de seu pai, onde foi recebida pelos irmãos calorosamente e seu pai “contudo, dizem que se retirou da varanda sem lhe dizer uma palavra”. (Marcela Telles, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 140)

Descrição de Maria  Graham sobre Maria Quitéria

“Ela é iletrada, mas inteligente.
Sua compreensão é rápida e sua percepção aguda. Penso que, com educação, ela poderia ser uma pessoa notável. Não é particularmente masculina na aparência; seus modos são delicados e alegres. Não contraiu nada de rude ou vulgar na vida do campo e creio que nenhuma imputação se consubstanciou
contra sua modéstia. Uma coisa é certa: seu sexo nunca foi sabido até que seu pai requereu a seu oficial comandante que a procurasse. Não há nada de muito peculiar em suas maneiras à mesa, exceto que ela come farinha com ovos ao almoço e peixe ao jantar e fuma charuto após cada refeição, mas é muito sóbria.” (Maria Graham. Diário de uma Viagem ao Brasil, p. 331)

A mudança para a batalha

Em meio aos acontecimentos em Cachoeira, com o acirramento entre portugueses e baianos, em setembro de 1822, um emissário tocou a porta do pai de Maria Quitéria para falar sobre a causa da Independência e recrutar homens para a batalha. O pai recusou o envio de escravos ou de algum filho, dizendo que serviria o vencedor da guerra.


Após ouvir a conversa, Quitéria correu para a casa de sua irmã Maria Teresa, que morava próximo dali com seu marido José Cordeiro de Medeiros. Quitéria contou a conversa e expressou sua vontade de “ser um homem” para lutar naquele momento.

“Maria Teresa foi categórica: ora essa, para tanto não era necessário ser homem. Abriu o armário e emprestou algumas roupas do marido a Maria Quitéria, que logo partiria para onde as coisas estavam de fato acontecendo.”

(Marcela Telles, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 131)

Desejo de independência

Diante da resistência do pai em aceitar que se alistasse como militar na guerra de independência da Bahia, Maria Quitéria disse:

“’É verdade que não tendes filho, meu pai. Mas lembrai-vos que manejo as armas e que a caça não é mais nobre que a defesa da pátria. O coração me abrasa. Deixai-me ir disfarçada para tão justa guerra.’

Respondeu-lhe o pai: ‘Mulheres fiam, tecem e bordam; não vão à guerra’.”

Aproveitando-se da saída de seu pai para Cachoeira, foi escondida junto, em uma distância segura para não ser descoberta. Lá ingressou no Batalhão dos Periquitos como homem e obteve grande destaque, ganhando posições pelo seus feitos. Em 1823, já evidente que se tratava de uma mulher, o Conselho Interino do Governo mandou que lhe fizessem saiotes e lhe entregassem uma espada, para que se tornasse de fato um soldado.

Maria Quitéria obteve vitórias fundamentais durante as batalhas e, por isso, ao final da guerra foi condecorada com a Ordem do Cruzeiro do Sul, como cavaleiro, além de um salário até o fim de sua vida. Foi ao Rio de Janeiro integrada à Corte, onde se dedicou muito tempo até retornar para casa de seu pai, onde foi recebida pelos irmãos calorosamente e seu pai “contudo, dizem que se retirou da varanda sem lhe dizer uma palavra”. (Marcela Telles, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 140)

MARIA

FELIPA

DE OLIVEIRA

A heroína do povo

Maria Felipa de Oliveira foi uma mulher negra de grande força e coragem. Na estimada idade de 22/23 anos, destacou-se nas batalhas pela independência que ocorreram em Itaparica, sua cidade. Historiadoras a descrevem como uma “figura impactante: alta, corpulenta e energética”. (Lívia Prata, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 108)

“O que significava ser uma mulher que jogava capoeira? Além do  domínio de um repertório de golpes que surpreende o inimigo, podendo matá-lo, significava exercitar a ginga, jeito pessoal, único e intransferível de cada pessoa jogar o jogo da vida, como quem finge ser água mansa para acobertar o redemoinho.”

(Cidinha da Silva, Independência do Brasil:
As mulheres que estavam lá, p. 118)

Ao mesmo tempo que esbanjava beleza com suas roupas (batas brancas bordadas, saias rodadas, turbante, torço e chinelas), também amarrava sua saia nas pernas para jogar capoeira e, quando não, escondia ali suas armas, sobretudo a peixeira.

Maria Felipa foi a líder de alguns grupos de voluntários escravizados, indígenas e também fugitivos que auxiliavam o Exército Pacificador na batalha contra os portugueses, mas sem se integrar ao quadro de soldados. Marisqueira, pescadora e ganhadeira, ela conhecia o Rio Paraguaçu como ninguém e descia o rio levando mantimentos e vigiando o trajeto.

Deslocava-se à noite pelas curvas do rio e sabia os locais onde os portugueses atracavam. Assim, junto a outras 40 mulheres, fundou um grupo chamado “Batalhão das Vedetas”, que monitorava matas, manguezais e praias, bem como os barcos e o movimento no Recôncavo.

Uma das estratégias das Vedetas ficou bastante conhecida na História: ao abordarem os barcos portugueses, atraíam os soldados e os embriagavam,
para então os surrarem com cansanção, uma espécie de urtiga muito forte que os marinheiros não conheciam e que, por estarem presos às roupas das mulheres junto a folhas e flores, lhe pareciam enfeites. Após a surra, queimavam as embarcações com suas tochas. Seu grupo de mulheres ateou fogo em 42 navios portugueses.

“Maria Felipa de Oliveira, iansanicamente (como Iansã), nos inspira a persistir roubando o preparado destinado aos homens e a cuspir fogo, pois só assim, conquistando poder e mando, pela força de uma búfala ou de uma borboleta, a depender da necessidade, conseguiremos, se não transformar, pelo menos desestabilizar as relações de poder manejadas pelos homens.” 

(Cidinha da Silva, Independência do Brasil: As mulheres que estavam lá, p. 119)

Casal de Negros – Johann Moritz Rugendas

AS MULHERES QUE 
LUTARAM… E LUTAM

As guerras travadas na Bahia foram de fato fundamentais para que o Brasil pudesse obter sua independência da Coroa portuguesa. Entretanto, uma parte dessa história não recebeu o destaque que deveria. Além da elite brasileira, do exército e da família real, muitos homens e mulheres escravizados, indígenas e caboclos foram de vital importância para que o plano de independência tenha sido conquistado, sobretudo as mulheres.

A presente mostra tenta resgatar a participação de algumas das protagonistas nesse importante processo histórico: Maria Leopoldina dialogou e participou da política masculina num cargo de poder; Maria Graham viajou o mundo e escreveu sobre ele num diário; Sóror Joana Angélica dedicou a vida ao serviço devocional, defendendo com a própria vida a vida de outros;

Urânia Vanério escreveu sobre as angústias e o pensamento de um tempo de guerra e mudanças em curso; Maria Quitéria se trajou de homem para burlar o sistema hegemônico e combateu na guerra, em prol de seus valores e de um sentimento de independência pessoal; e Maria Felipa de Oliveira lutou e liderou outras mulheres, criando estratégias brilhantes para defender seu território em busca de liberdade.

Essas e outras inúmeras mulheres cujos nomes a História não reconheceu, omitiu ou apagou existiram e lutaram com as armas que tinham para que muitas vitórias fossem obtidas. E mesmo que ninguém saiba quem são, é certo que lutaram para conquistar a principal independência: a sua própria.

DOIS DE JULHO: 200 ANOS DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NA BAHIA

EXPOSIÇÃO PROMOVIDA PELO CENTRO CULTURAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

COORDENAÇÃO DO PROJETO Clauder Diniz | CURADORIA Ricardo Oriá | PESQUISA HISTÓRICA E ICONOGRÁFICA Ricardo Oriá, Luciana Scanapieco, André Grigório | PRODUÇÃO Isabel Flecha de Lima | REVISÃO Maria Amélia Elói | PROJETO GRÁFICO Mima Carfer | ESTAGIÁRIA Jaqueline de Melo | MONTAGEM E MANUTENÇÃO DA EXPOSIÇÃO André Ventorim, Maurilio Magno, Paulo Titula, Wendel Fontenele | MATERIAL GRÁFICO Coordenação de Serviços Gráficos – CGRAF/DEAPA | HOTSITE Pablo Alejandro, Rafael Teodoro

AGRADECIMENTOS

Biblioteca Pública do Estado da Bahia | Arquivo Público do Estado da Bahia | Fundação Pedro Calmon | Secretaria de Cultura do Estado da Bahia | Museu Paulista | Arquiodiocese de São Salvador da Bahia | Fundação Dom Avelar Brandão Vilela | Câmara Municipal de Salvador | Museu Imperial | Museu Histórico Nacional | Instituto Brasileiro de Museus | Ministério da Cultura | Governo Federal

CRÉDITOS DAS IMAGENS POR ORDEM DE APARIÇÃO:

Independência ou Morte (também conhecido como O Grito do Ipiranga). Pedro Américo (1888), Acervo Museu Paulista | Trecho do Forte do Mar até a Conceição da Praia, 1819, Robert Pearce, Aquarelas do Tenente Robert Pearce | Os Primeiros Passos para a Independência da Bahia, Antônio Parreiras, 1931. Acervo Palácio Rio Branco (Salvador-BA) | Retrato de Joaquim Pires de Carvalho, 1922, Afonso D. E. Taunay, Grandes Vultos da Independência Brasileira | Retrato de Pierre Labatut, 1922, Afonso D. E. Taunay, Grandes Vultos da Independência Brasileira | S. Salvador, Baya de Todos os Sanctos, 1624, Hessel Gerritz e Claes Janszoon Visscher, Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro | Retrato de Lima e Silva, 1922, Afonso D. E. Taunay, Grandes Vultos da Independência Brasileira | Things as they have been. Things as they now are. Cochrane in Disgrace, 1814, Christopher Dyer, Acervo do Royal Museums Greenwich | Vista do Alto da Vitória até o Forte de Santa Maria, 1819, Robert Pearce, Aquarelas do Tenente Robert Pearce | Entrada do Exército  Pacificador, 1930, Presciliano Silva, Acervo do Museu Carlos Costa Pinto. Costumes da Bahia, 1835, Johann Moritz Rugendas, Acervo Brasiliana Iconográfica | Leopoldina Arquiduqueza d’Austria: Princesa Real do Reino Unido du Portugal, Brasil e Algarves, circa 1826, Jean François Badoureau, Acervo da Biblioteca digital Luso-Brasileira | Sessão do Conselho de Estado, 1922, Georgina de Albuquerque, Acervo Museu Histórico Nacional | Trecho da Vitória, 1819, Robert Pearce, Aquarelas do Tenente Robert Pearce | Retrato de Maria Graham, 1819, Sir Thomas Lawrence, Acervo do National Portrait Gallery – London | Retrato de Lord Cochrane, 1922, 1922, Afonso D. E. Taunay, Grandes Vultos da a Independência Brasileira | Journal of a voyage to Brazil, and residence there, during part of the years 1821, 1822, 1823, 1824, Maria Graham, Acervo da Biblioteca digital Luso-Brasileira | Laranjeiras, 1824, Maria Graham, Aquarela em Journal of a Voyage to Brazil | Retrato de Joanna Angélica, 1922, Afonso D. E. Taunay, Grandes Vultos da Independência Brasileira | Martírio de Joanna Angélica, 1821, Artista desconhecido, Acervo do Convento da Lapa, Salvador-BA | HMS Favorite, 1819, Robert Pearce, Aquarelas do Tenente Robert Pearce | A Brazilian Family, 1822, John Heaviside Clark, Acervo da Biblioteca Nacional | Lamentos de Huma Bahiana, 1822, Urânia Vanério, Typographia Nacional | Retrato de Maria Quitéria, 1922, Afonso D. E. Taunay, Grandes Vultos da Independência Brasileira | Passeio Público, 1819, Robert Pearce, Aquarelas do Tenente Robert Pearce | Nègre & Négresse de Bahia, 1835, Johann Moritz Rugendas, Livro de gravuras Rugendas e o Brasil | Casal de Negros, 1830, Johann Moritz Rugendas, Livro de gravuras Rugendas e o Brasil.